quarta-feira, 13 de maio de 2020

A Economia das coisas


Faz hoje exatamente 2 meses que decidimos que independentemente da decisão do Governo em relação ao fecho das escolas, os nossos filhos não iriam continuar a ir.
Volvidos 61 dias continua a parecer-me a decisão mais acertada. Por isso vejo com apreensão a reabertura das creches e ATL.
Então, a primeira medida a ser implementada não é a última a ser levantada?
Estou-me a imaginar de máscara, luvas, gel desinfetante a deixar as crianças de 2 e 4 anos na escola, enquanto a de 6 tem que ficar confinada em casa. Porque haveria eu de por em risco a saúde de toda a família? Consigo compreender as questões economicistas por trás destas decisões. As famílias precisam de retomar o trabalho e o seu rendimento. Precisam de por a máquina financeira a funcionar.
Mas e então o que acontece às famílias com crianças entre os 6 e os 12 anos? Ficam em casa, pois claro.
E o que estamos a fazer não mover a economia? As compras na peixaria do bairro, no talho da esquina, na livraria que vem trazer os livros de biblioteca, na sr. Maria que faz máscaras para crianças, ou a D. Susana que vende flores e brócolos? Estas pessoas não fazem parte da economia? E todas as mães e pais que ficaram acantonados em casa, e que assim continuarão? Afinal não somos todos cuidadores informais? Somos, mas somos um pauzinho na engrenagem da finança.
Uma vez li um artigo de uma jornalista, que ao ser mãe se viu confrontada com a impossibilidade de trabalhar (nos EUA) e mais tarde com o facto de não ter poder económico para colocar a criança numa creche. Tendo a família decidido que ela seria a fiel depositária da educação da criança e dos cuidados da casa, calculou-se o valor horário do seu trabalho e ela passou a ser remunerada pela família pelas horas dedicadas ao cuidado dos filhos.
Gostaria de saber muito honestamente se nós, mães a tempo inteiro, damos valor ao nosso trabalho? E qual o valor desse trabalho?
Como dizia uma amiga, um destes dias: hoje já ninguém se pergunta o que faz uma mãe a tempo inteiro? Mas a pergunta é: quanto vale a tua hora?

sexta-feira, 8 de maio de 2020

As listas de coisas


As listas sempre me fascinaram, desde miúda.
Faço listas para tudo: compras, aniversários, multas para festas, coisas que faltam para casa… Qualquer pretexto é bom para fazer uma lista. Mas à moda antiga: num papel, nada de listas em aplicações nos telemóveis. O papel e a caneta/ lápis ainda têm aquela magia especial que me remete para outro espaço e tempo. É verdade que as listas me transportam.
O meu filho do meio parece ter a mesma compulsão que eu. Desde que estamos em quarentena faz um rol de pedidos diários. Alguns repetem-se, acho que os quer mesmo, como a máscara de tigre de dentes de sabre ou o ovo Kinder especial com não sei o quê lá dentro, mais o escorrega que transforma meninos em animais diferentes… E eu vou escrevendo tudo.
Um jogo engraçado que costumava brincar com a Dri era: “se te casares convidas-me?” E eu fazia a lista mental de todas as pessoas que convidaria para o meu casamento, na distante eventualidade de tal acontecer. E assim nos divertíamos a selar amizades com listas.
Enquanto lia “um homem de partes”, de David Lodge, em que se retrata a vida de H. G. Wells, o “maior escritor do seu tempo”, vi que H. G. Wells era obcecado por Obituários, queria saber o que diriam dele depois de morto. Este facto remeteu-me para uma lista que nunca acabava (que fazia sozinha) sobre: “se eu morresse quem iria ao meu funeral”.
Para a Dri o importante era saber quem estaria presente em vida, mas eu tal como o H.G. sempre me interessei mais por quem está lá quando nós não. Quem virá, sem precisar de ser visto. O que dirão de nós, quando já não podemos escutar.
Com a epidemia as listas continuam a acumular-se: número de pessoas infectadas, pessoas internadas, pessoas em estado crítico, número de mortes. Estas listas parecem-me intermináveis e pela primeira vez na vida, completamente desnecessárias. O esforço de achatamento da curva de repente tornou-se chato.
Prefiro continuar a fazer as listas do meu filho, com o seu papa-formigas e o fato especial com bico azul de pato que faz coisas assim. Essas sim, são especiais e fazem-me sentir que tenho um fiel seguidor.


sábado, 4 de abril de 2020

Semana 3

Cumprimos a terceira semana de isolamento, 17 dias de estado de emergência, renovado por mais 2 semanas.
Sabe-se lá quando isto acabará.
Noutro dia um comentador-sabetudo-nãosabenada, dizia que o governo tem que nos dar respostas em relação ao fim da pandemia. Penso que muitas pessoas pensarão assim, que temos que saber quando tudo vai acabar, mas na verdade não sabemos. Ninguém sabe...
Por muito que queiramos passar a Páscoa com a minha mãe e as minhas irmãs, na verdade não sabemos quando poderemos voltar a beijar-nos. Já lá vão 4 semanas.
As crianças continuam em regime de home-schooling, não sei qual a eficácia deste método, mas pelos nossos lados será quase nula.
É aborrecido a mãe ser mãe, ser educadora, ser empregada de limpeza, ser polícia, ser tudo sem chegar a ser nada. Estranhos tempos estes.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

O que mais ouvimos nos últimos dias é: achatemos a curva, achatemos a curva, achatemos a curva, até à exaustão.
Mesmo assim, há quem não tenha entendido as recomendações e o significado de um estado de emergência.
A pergunta que todos queremos ver respondida não tem reposta: quando vamos estar bem?
Como vamos sair disto tudo? Será que seremos iguais ao que fomos?
Quando saio de casa, para o estritamente necessário como deitar fora o lixo, deparo-me, estupefacta, com o extraordinário número de pessoas que se passeiam na rua. Pessoas que caminham lado a lado, que para para conversar, que se demoram na  mercearia quando há uma fila cá fora à espera.
Será que vamos voltar a caminhar lado a lado nas ruas? Será que vamos voltar a partilhar o assento do metro, ou agarrarmo-nos com força ao casaco do utente do lado quando o autocarro pára inadvertidamente?
Os meus filhos parecem bastante felizes com este acontecimento. Têm a possibilidade de usufruir sem restrições da companhia dos pais, não têm responsabilidades de maior (além de fazer as actividades propostas pelas professoras). São muito novos ainda para sentirem as angústias das separação da família mais próxima, ou pensarem no que lhes reserva o futuro.
Preocupam-se em construir o seu barco feito de paus e telhas, adornado com folhas das árvores. Aí sentem-se seguros e divertidos, o resto são os escombros dos dias.
Vamos passando, colhendo os frutos que semeámos. Literalmente.
Vamos vivendo, à espera que amanhã esteja novamente sol e que estejamos todos bem. Aprendemos a pedir pouco, a esperar pouco.


domingo, 29 de março de 2020

segunda semana de isolamento

Esta semana, para acrescer às dificuldades que já sentimos e vivemos, foi decretada a fase de mitigação da doença. Significa isto que foi assumido que o contágio se dá a nível comunitário, sem seja possível identificar as cadeias de transmissão.
As restrições aumentam, porque se assume que o vírus está em toda a parte e todos são potencialmente portadores do mesmo.
A partir de agora as saídas de casa devem resumir-se ao estritamente necessário, compras, farmácia, abastecer o carro, mas tudo nas imediações da residência.
Com as crianças as coisas correm relativamente bem, uma vez que temos um jardim grande e eles divertem-se com as suas actividades. A relação mãe/ docente melhorou e conseguimos agora fazer os trabalhos com maior eficácia, mas com diminuído sucesso à medida que a semana passa. É difícil distinguir os dias da semana, pois são todos iguais. Se não fosse as actividades escolares nem sabíamos a quantas andávamos.
Coisas que descobri esta semana:
- que não preciso passar a roupa a ferro.
- que a balança está completamente descalibrada...

Mas em conclusão semanal, os dias vão-se levando. Como se diria na Tanzânia: Pole Pole.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Estado de Emergência

Dia 18 de Março de 2020 e o estado de emergência foi decretado.
E uma situação excepcional, que só ocorreu uma vez durante os anos de democracia. O que nos leva a querer que os nossos direitos sejam suspensos? O medo? o achar que os outros são menos que nós?
O quê?
Sabem o que significa?
Sabem que já não temos os mesmos direitos? Sabem que há países que dissolvem as suas democracias assim?
Sabem que dia 19 é o meu dia de aniversário e o estado de emergência começa nesse dia? que triste forma de celebrar.
O medo reina. As ruas estão vazias, apenas as filas habituais para os talhos, fruta, pão, mercearia e  farmácia.
Acho que já disse que parece um cenário de Mad Max. Será que estaremos prontos para a guerra?
Fico mais ansiosa a pensar no que nos vamos tornar, nós e o nosso mundo, do que a Pandemia em si.
Tenho medo da doença, sim claro. Tenho medo que morram as pessoas de quem gosto. Teqnho medo de ficar doente e deixar os meus filhos sozinhos.
tenho medo de não ter o que dar de comer aos meus filhos. Tenho medo de não ter dinheiro para pagar contas da água e da luz.
Tenho muito medo de como será o futuro. Será que ainda seremos iguais a nós próprios?
Certamente não irei esquecer o meu 43º aniversário.


terça-feira, 24 de março de 2020

Semana 1 - 16/03 - 22/03

Esta foi a primeira semana de isolamento social voluntário.
Por agora cessaram todos os contactos com familiares e amigos, mantemo-nos apenas os 5 em feliz cohabitação nesta casa.
Apesar da insistência da minha mãe, para ficarmos todos juntos optei por não o fazer por dois motivos:
1- A minha mãe, maior de 60 anos e hipertensa, é médica e continua a trabalhar. Está muito mais exposta que nós que estamos em teletrabalho a partir de casa. O mesmo com a minha irmã, embora tenha um risco mínimo de exposição, tem um risco maior que nós. Além dos mais , os miúdos são essencialmente vectores de transmissão, pelo que se estiveram em contacto com o vírus nos últimos dias, podem facilmente transmiti-lo, sem terem sintomas relevantes.
2. Temos um jardim. Ponto final. Ficar até fim de Maio (esperemos nós), com 3 crianças menores de 7 anos em casa fechados é um no-go.
E assim é, estamos isolados em casa, saindo apenas para fazer as compras do dia-a-dia e para apanhar algum ar. As crianças não saem de casa.
O João de todocriaçs, parece estar mais impaciente. É o único que pede para sair e para me acompanhar nas idas à pastelaria.
É dificil negar-lhes coisas pequenas: como um bolo de arroz ou um brigadeiro. Na medida do possível saio para satisfazer as suas necessidades, mesmo estes pedidos mais exigentes.
Ter um jardim ajuda muito, nomeadamente na execução de actividades ao ar livre com as crianças.
Antes de nos fecharmos fomos a um viveiro de plantas para nos abastecermos de plantas, para pormos as mãos na terra e daqui a umas semanas podermos colher alguns frutos.
Os miúdos não ficam muito excitados com esta actividade, mas a tenda Teppi e o ginásio do pai an garagem tem feito maravilhas pela sua sanidade mental.
O mais exigente é dar resposta aos requisitos educativos deles. Todos os dias recebo cerca de 5 emails com actividades a realizar, mais uns 3 de correcções. Obviamente alguma coisa tem que ficar para trás, e isso são as actividades dos mais novos.
Cada dia é uma luta para acordar, pequeno-almoço e preparar para os trabalhos de casa. É um esforço considerável conseguir que tudo isto aconteça de manhã, para poder fazer o almoço.
Esta primeira semana foi caótica: almoços às 15:00, jantares às 21:00. Estar em casa não é em definitivo ter tempo para casa, ou para estar com as crianças ou para estar a sós.
Estar em casa, fechada, não é proporcionalmente linear à frequência do curso de latim que o Frederico Loureço disponibilizou, ou para ler aqueles livros como se fosse adolescente ou para ver aquelas séries de quem todos falam.
Também não há tempo para por conversas em dia. Só por telefone. Carrego o telefone pelo menos 2 vezes ao dia.
As saudades crescem e ainda só passaram alguns dias.
Covid-19, faça o favor de passar e andar. Aqui ninguém te quer.