Regressei ontem de Angola. Já me sinto uma turista. É engraçado como sinto que agora tenho tempo para observar.
Observar as pessoas, o alinhamento do trânsito, os Ecopontos... tanto que nos perdemos nos pormenores.
Mas foi bom. Comecei por descer a Rua de Santa Catarina a pé, e foi aí que comecei a observar. Ou melhor, foi aí que me apercebi que estava a observar.
Observava os estudantes universitários com as mochilas para o fim-de-semana, os turistas, os vendedores ambulantes, os pedintes... observava gente e coisas a acontecerem.
A certa altura houve um sr. que em tentava convencer a dar dinheiro para uma nobre causa e eu, talvez porque me habituei a ver tanta pobreza e necessidade extrema, declinei o seu pedido. Eis que ouço o homem a dizer: "não se interessa, vê-se logo". Senti o sangue a subir e deu-me ganas de lhe dizer "Acabo de chegar de África. Acha que não sei o que são crianças a passar fome? O Sr. sabe o que isso realmente é?"... mas deixei-me andar, motivada por um sentimento mais profundo que esse.
Depois desci para o Majestic, aquele que é um dos símbolos da cidade do Porto. Aí, como sempre, é local de coexistência de gentes. Ao canto, junto à entrada o avô com a Neta a deliciarem-se com umas bolachas maria, enquanto ela lhe repenicava a face com beijos, do outro lado, um grupo de intelectuais discutia animadamente, ao centro uma jovem de sucesso lia um jornal e falava incessantemente ao telemóve e ao meu lado o casal de idosos que fazem parte do cenário.
Na esplanada, os turistas em mangas de camisa a apanhar os primeiros raios de sol da Primavera. Estranho este Maio, muito frio, mas com Sol.
Depois de percorrer as ruas das Baixa, corri a dar um abraço ao meu pai. Bem apertadinho, junto ao peito, para logo em seguida me dirigir para o Metro.
Aí tive uma sensação reconfortante ao ser abordada por duas turistas asiáticas em busca de informação. Já não estou habituada.
No metro mantive-me atenta e apercebi-me de inúmeras coincidências.Uma rapariga com um livro do Garcia Marquéz debaixo do braço (o Amor nos tempos de Cólera) e eu, talvez por hábito linguístico, lia Ondjaki.
Depois havia o estudante universitário de regresso a casa, o trabalhador que dormia depois de se levantar às 5:00, o funcionário do escritório e eu, que ouvia-mos música, embalados pelo combóio.
As músicas sucediam-se: O primeiro gomo da tangerina, all mine, she's nobodys baby now, com um brilhozinho nos olhos, you got to hide your love away (as palavras de Lenon e MaCartney na voz de Eddie Veder) e mesmo a chegar Chan Chan. Foi aí que vislumbrei o rio, depois o convento e sua sombra a estender-se pelas encostas até chegar à margem, a ponte, os jardins. Enfim tudo aquilo a que eu chamo casa.
É bom regressar a casa, não é?