quarta-feira, 30 de abril de 2008

Se puderes ver, observa!

São 19:00, o termómetro da farmácia marca 15ºC e eu escondo-me ao sol, atrás de um qualquer reclamo da rua do Porto.


Regressei ontem de Angola. Já me sinto uma turista. É engraçado como sinto que agora tenho tempo para observar.
Observar as pessoas, o alinhamento do trânsito, os Ecopontos... tanto que nos perdemos nos pormenores.


Mas foi bom. Comecei por descer a Rua de Santa Catarina a pé, e foi aí que comecei a observar. Ou melhor, foi aí que me apercebi que estava a observar.

Observava os estudantes universitários com as mochilas para o fim-de-semana, os turistas, os vendedores ambulantes, os pedintes... observava gente e coisas a acontecerem.

A certa altura houve um sr. que em tentava convencer a dar dinheiro para uma nobre causa e eu, talvez porque me habituei a ver tanta pobreza e necessidade extrema, declinei o seu pedido. Eis que ouço o homem a dizer: "não se interessa, vê-se logo". Senti o sangue a subir e deu-me ganas de lhe dizer "Acabo de chegar de África. Acha que não sei o que são crianças a passar fome? O Sr. sabe o que isso realmente é?"... mas deixei-me andar, motivada por um sentimento mais profundo que esse.

Depois desci para o Majestic, aquele que é um dos símbolos da cidade do Porto. Aí, como sempre, é local de coexistência de gentes. Ao canto, junto à entrada o avô com a Neta a deliciarem-se com umas bolachas maria, enquanto ela lhe repenicava a face com beijos, do outro lado, um grupo de intelectuais discutia animadamente, ao centro uma jovem de sucesso lia um jornal e falava incessantemente ao telemóve e ao meu lado o casal de idosos que fazem parte do cenário.

Na esplanada, os turistas em mangas de camisa a apanhar os primeiros raios de sol da Primavera. Estranho este Maio, muito frio, mas com Sol.

Depois de percorrer as ruas das Baixa, corri a dar um abraço ao meu pai. Bem apertadinho, junto ao peito, para logo em seguida me dirigir para o Metro.

Aí tive uma sensação reconfortante ao ser abordada por duas turistas asiáticas em busca de informação. Já não estou habituada.

No metro mantive-me atenta e apercebi-me de inúmeras coincidências.Uma rapariga com um livro do Garcia Marquéz debaixo do braço (o Amor nos tempos de Cólera) e eu, talvez por hábito linguístico, lia Ondjaki.

Depois havia o estudante universitário de regresso a casa, o trabalhador que dormia depois de se levantar às 5:00, o funcionário do escritório e eu, que ouvia-mos música, embalados pelo combóio.

As músicas sucediam-se: O primeiro gomo da tangerina, all mine, she's nobodys baby now, com um brilhozinho nos olhos, you got to hide your love away (as palavras de Lenon e MaCartney na voz de Eddie Veder) e mesmo a chegar Chan Chan. Foi aí que vislumbrei o rio, depois o convento e sua sombra a estender-se pelas encostas até chegar à margem, a ponte, os jardins. Enfim tudo aquilo a que eu chamo casa.

É bom regressar a casa, não é?


sábado, 26 de abril de 2008

Do outro lado do Oceano


Infelizmente aqui não há cravos!

Fica apenas um excerto do poema as portas que Abril abriu.
Era bom que não houvesse quem as quisesse ver fechadas, como diz o Poeta.



De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dentena carne dos capitães
que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós

povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
(José Carlos Ary dos Santos)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Vida no Huambo - parte III

Há já algum tempo que não passava um fim-de-semana no Huambo.
Bem me diziam que andava a perder umas festas, mas eu sempre desconfiada, lá ia passar os meus fins-de-semana a Luanda.
Este fim-de-semana, com a desculpa de que um colega fazia anos, organizou-se uma festa, desculpem uma festança, e das boas. Lá se lançou o mote para a farra… a entrada eram 1.200 KZ, com tudo incluído: comida e bebida à descrição, mas também animação musical.

De tudo um pouco. Como podem observar, ali estou eu, com a minha energia a tentar ensinar uma peruana a dançar rancho. Não foi uma tentativa lograda, uma vez que ela aprendeu a dar uns passos. O pior era quando a coisa acelerava.

Lá nos reunimos e depois de algumas horas bem passadas, o pessoal (à boa moda portuguesa) reuniu-se na cozinha para conversar.
Mas não ficámos por aí, aparece alguém munido de uma guitarra, disposto a animar as hostes.
E que animação foi! Música à toa, toda a gente a cantar… até às 2 da manhã.
Há umas imagens minhas, mais ou menos comprometedoras, a cantar “I am na antichrist”. Pelo menos já não canto Dead Kennedys!

Depois desmontámos o arraial e fomos dar um saltinho à Central.


Não sei, mas as coisas aqui realmente têm-se vindo a alterar. Há um ano atrás não havia nada destes convívios! Agora somos mais, estamos menos sós.

(a minha família)


Como dizia um amigo: “eu até começo a gostar disto, pá!”

Esperemos continuar assim.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Para a prima Marta

Do you love me?


Nunca sentiram que estavam no local errado à hora errada?
Eu devia estar hoje no coliseu. Fico só a ouvir, para matar as saudades.
I found her on a night of fire and noise
Wild bells rang in a wild sky
I knew from that moment on
I'll love her till the day that I died
And I kissed away a thousand tears
My lady of the Various Sorrows
Some begged, some borowed, some stolen
Some kept safe for tomorrow
On and endless night, silver star spangled
The bells from the chapel went jingle-jangle
Do you love me? Do you love me?Do you love me?
Do you love me?Do you love me? Do you love me?
Do you love me? Like I love you
She was given to me to put things right
And I stacked all my accomplishments beside her
Still I seemed so obselete and small
I found God and all His devils inside her
In my bed she cast the blizzard out
A mock sun blazed upon her head
So completely filled with light she was
Her shadow fanged and hairy and mad
Our love-lines grew hopelessly tangled
And the bells from the chapel went jingle-jangle
Do you love me? Do you love me?Do you love me?
Do you love me?Do you love me? Do you love me?
Do you love me? Like I love you
She had a heartful of love and devotion
She had a mindful of tyranny and terror
Well, I try, I do, I really try
But I just err, baby, I do, I error
So come find me, my darling one
I'm down to the grounds, the very dregs
Ah, here she comes, blocking the sun
Blood running down the inside of her legs
The moon in the sky is battered and mangledb
And the bells from the chapel go jingle-jangle
Do you love me? Do you love me?Do you love me?
Do you love me?Do you love me? Do you love me?
Do you love me? Like I love you
All things move toward their end
I knew before I met her that I would lose her
I swear I made every effort to be good to her
I made every effort not to abuse her
Crazy bracelets on her wrists and her ankles
And the bells from the chapel go jingle-jangle
Do you love me? Do you love me?Do you love me?
Do you love me?Do you love me? Do you love me?
Do you love me? Like I love you

sábado, 19 de abril de 2008

Ainda não é hora da Partida!

Gostaria de pedir desculpa a todos a quem causei pânico ou alegria antecipada!
Mas, na verdade, ainda estarei por cá algum tempo. Mas há medida que se aproxima o dia 29 de Abril, o bichinho começa a apertar no estômago.

Não se preocupem amigos, que regressarei a terras "Huambianas", para relatar as novidades a todos os que estão longe desta terra, mas com o coração bem perto.

Aproveito para publicar uma foto minha com uma welwitchia mirabilis, que só existe no deserto do Namibe.
Já agora, tenho algo a revelar-vos. Esta planta alimentou a minha imaginação durante a minha infância (e parte da vida adulta). Graças à minha mãe antes de conseguir pronunciar o meu nome, já conseguia dizer Welwitchia mirabilis.

Chamem-me egocêntrica...


domingo, 13 de abril de 2008

Oh tempo, volta para trás!

O tempo passa a correr.
Já estou quase de partida novamente para Portugal. Já tenho saudades do meu cantinho.
Este período vai ser só de passagem, porque outros destinos me aguardam.
Chego a Portugal e parto quase de seguida para Cuba! Vão ser 10 dias em grande, sem planos, sem hotéis marcados... só com a mochila às costas como certeza de companhia, e claro as minhas parceiras de estrada.
Aqui vamos nós.
O que eu queria dizer é que muita coisa mudou aqui. Tudo está diferente, até já se joga futebol no Huambo. Há uma ano atrás a preocupação era: e se eu partir uma perna ou fizer uma luxação? Parece que esse e outros problemas estão ultrapassados, e a vida agora é outra.
Não sei como dizê-lo, mas é mais vida do que antigamente.
Claro que se vão ganhando algumas coisas e perdendo outras pelo caminho.
Mas é assim que é a vida e é assim que construímos o nosso futuro, com lutas, ganhos e desilusões.
Como dizem os angolanos "vai-se empurrando!".

quinta-feira, 10 de abril de 2008

o Poema da Nêspera

Para quem fica à espera que as coisas aconteçam.

"Uma nêspera
Estava na cama
Deitada
Muito calada
A ver
O que acontecia
Chegou uma Velha
E disse
Olha uma nêspera
E zás comeu-a
É o que acontece
Às nêsperas
Que ficam deitadas
Caladas
A esperar
O que acontece”

(Mário Henrique Leiria)

sábado, 5 de abril de 2008

Números redondos

Hoje abri o meu blog e deparei-me com o seguinte número:
1000
1000 turistas!!!!
é motivo de regozijo e mais um motivo para celebrar.
Obrigado a todos os que perderam o precioso tempo da sua vida a partilhar a minha.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Lar, doce lar!

Era uma vez uma casa que estava vazia… cheia apenas de ar e de reminiscências de uma guerra passada.
Um dia começaram a chegar ocupantes, uns de cada vez. Aos poucos a casa foi ficando recheada de convívio, de boa disposição e de cheiros característicos de um lar.
Pé ante pé, lá fomos chegando, assim como que a pedir licença, mas com a porta escancarada!
O último habitante da nossa casa é a Okongo (guerreira em umbundo). Veio com uma triste mas objectiva missão: caçar!


A pouco e pouco, a nossa casa tem-se tornado num lar. É bom vê-la a crescer connosco.